23 de dezembro de 2013

Lembranças de Um Amor by Camy Caroline

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Olhar pela janela pode ser um exercício doloroso, ainda mais para quem espera. Era com esse pensamento que Silvio observava os jardins do asilo em que vivia, da pequena janela de seu quarto. Estava a espera do filho, mesmo este dizendo que talvez não pudesse visita-lo esta semana, devido ao duro trabalho que tinha como cientista.

Uma grande borboleta azul e preta pousou na moldura de sua janela. Tudo, menos a borboleta, saiu de foco, levando-o através da memória de longa data, à mais linda de suas lembranças.

“Mais um dia de aula, mais um dia de tédio e mais um dia de medo.

Era o gênio da turma, o nerd desprezado e humilhado o tempo todo pelos populares. A escola era seu pior pesadelo e os valentões seu mártir. Não bastava ser desprezado por ser o aluno de intercâmbio, o intruso, o estrangeiro, tinha de ser super gênio, o aluno que mesmo vindo de um país no qual a educação era péssima, superava em inteligência os perfeitos alunos estadunidenses.

Como sempre, lia em meu lugar aguardando o inicio da aula. Com cara no livro ninguém ousava me incomodar, pois sabiam a fera que eu virava quando interrompiam minhas leituras, meu momento sagrado.

-Sentem-se, por favor e fiquem em silencio, tenho alguns recados a dar. –pediu o professor, entrando na sala e colocando ordem na bagunça. Colocou os pertences em cima da mesa, antes de se dirigir à turma. –Mrs. Rabin, nossa professora de artes, pediu para avisar que as inscrições para o show de talento estão abertas, só ir até a sala dela e preencher o formulário. Quanto ao dia das audições, ela disse que avisará no ato da inscrição. E quero que deem as boas-vindas a nossa nova aluna. –disse a última parte esticando o braço para a porta, enquanto a mais bela mulher adentrava a sala.

Sim, mulher. Apesar de estar apenas no ensino médio, não merecia se chamada de garota. A postura firme, cabeça erguida e olhar fixo no professor, não demonstrando medo ou vergonha alguma, ignorou os assovios indiscretos dos garotos da turma e o muxoxo de inveja das garotas, demonstrou maturidade ao caminhar até o professor sem se deixar distrair por coisa alguma.

O professor colocou as mãos em seus ombros e a virou de frente para turma, um incentivo para que se apresentasse.

-Olá. Meu nome é Eileen Karamakov, tenho 15 anos e venho de Downey. –falou encarando todos com ar superior.

Um burburinho de surpresa surgiu. 15 anos? Essa menina devia um gênio! Pela idade, ela deveria estar na nona série ou no máximo no primeiro ano!

-Isso mesmo, pessoal! Srt.ª Karamakov pulou algumas séries e ganhou vários prêmios com seus projetos nas feiras de ciências de Downey. –disse o professor, com aquele tom de voz que põe fim a tudo. –Tem um lugar vago ao lado do Sr. Makoski, tenho certeza que ele ficará feliz em dividir o livro que usaremos hoje.

Ela apenas acenou para o professor e andou altiva até a carteira ao lado da minha, ignorando todos por que passava. Não dirigiu uma palavra a mim, apenas colocou seu material sobre a carteira e a arrastou para o lado da minha e ficou me encarando com aqueles olhos azuis glaciais. Completamente assustado, empurrei o livro da aula para o meio das mesas e o abri na última página lida.

-Cartas na Rua, de Charles Bukowski? Vocês realmente leem essas coisas aqui? –ela perguntou surpresa, prendendo os longos cabelos negros. –Pensei que não tivessem bom gosto. Bem, parece que me enganei. –e essas foram suas últimas palavras durante aquela aula.

O resto do dia se passou estranho. Tudo estava normal em verdade, mas algo parecia ter mudado. Todos comentavam sobre a garota nova. Sobre como era bonita, metida e extremamente inteligente, porém sem ser nerd. Todos pareciam amá-la e odiá-la ao mesmo tempo, era estranho.

A garota, por sua vez, parecia fazer tudo diferente do que pensavam. Não se inscreveu para o grupo de líderes de torcida, dança ou teatro, mas sim para o de xadrez e o de leitura, desprezou os populares que excepcionalmente abriram um espaço para ela em seu grupo e foi passar um tempo com um grupo de gamers e alguns outros nerds da escola. Meus pensamentos ficaram focados nisso até o final de última aula daquele dia.

-Hey, Makoski! –uma voz estranhamente familiar me chamou após o bater do último sinal do dia. Virei-me surpreso, ninguém falava comigo naquela escola.

Travei no momento em que percebi que era ela. Como lembrava meu sobrenome incomum? O que ela poderia querer comigo?

-É Makoski seu sobrenome, não? –perguntou parando sorridente em minha frente. Assenti, completamente sem palavras. –Qual seu primeiro nome?

-Silvio. –respondi baixinho.

Ela riu alegremente e fez sinal para que eu a seguisse. Inacreditavelmente, ela foi exatamente na direção em que eu ia. Sem ter muito que fazer, dei de ombros para mim mesmo e a segui.

Andamos algum tempo em silencio e eu pude reparar que seu andar já não estava firme e decido, mas leve, totalmente descontraído e feliz. Seus cabelos negros balançavam soltos em suas costas, sendo levantado apenas por uma brisa ou outra que passava por nós. Sorria para tudo e para todos, o mau humor e superioridade se foram e isso fez seus olhos azuis brilharem ainda mais.

-Desculpe não ter falado com você na aula. –ela disse após algum tempo.

-Hã?

Eileen riu.

-Não precisa ser tímido comigo! –eu não disse nada, mas pude me sentir corando e ela riu mais um pouco. –Sério, desculpe por ter agido daquele jeito. É só que... Já passei por muitos lugares e as pessoas geralmente costumam me julgar pela aparência. Querem que me junte às líderes de torcida, patricinhas fúteis e sem cérebro ou querem que namore um jogador de futebol e se esquecem de quem realmente sou. Digo, ser popular é legal, mas geralmente os populares odeiam ciências e odeiam estudar, tudo o que amo, sabe? Então de início prefiro me mostrar antipática com todos e aos poucos, ao longo do dia letivo, vou me soltando e me enturmando com aqueles que realmente valem a pena me aproximar, assim como você.

Um sorriso espalhou por minha face. Que garota incrível! Usava de psicologia reversa para poder se mostrar realmente.

-Sou considerado nerd, por isso sou desprezado. Aliás, todos que são considerados são desprezados, porém sou mais ainda, pois sou estrangeiro, um indivíduo de outro país que foi se meter na vida dos perfeitos deste país, além de não ser nem um pouco atraente. –ri secamente e ela me olhou zombeteira. –Te admiro por ignorar os populares, qualquer um que conheço sairia correndo para os braços deles, até trocariam de identidade, se possível.

Ela riu mais uma vez e parou em frente a casa que eu estava hospedado durante este intercâmbio.

-Você é lindo, Silvio, não deveria ser minimizar tanto. É inteligente e legal. Li seu blog de intercâmbio, o vi conversando com os donos da casa que mora, é uma pessoa que realmente tenho vontade de conhecer.

Fiquei estarrecido. Como ela poderia saber que eu tinha um blog? Mas o que mais intrigava era saber como ela havia ouvido alguma conversa entre eu e os donos da casa que morava.

-Você...? –comecei sem saber o que falar.

Ela apontou para a casa ao lado, a casa dos vizinhos novos. Foi o suficiente para eu entender.

-Vou precisar de ajuda para pegar o conteúdo perdido. Pode me encontrar às cinco na minha casa? –perguntou com um sorriso sapeca no rosto.

-Claro! –respondi feliz. Finalmente estava interagindo com alguém neste país desconhecido. O melhor de tudo era que esse alguém era uma pessoa diferente e aparentemente extremamente inteligente também.

Não pude prever o que veio a seguir. Ela sorriu mais ainda e veio para cima de mim, dando-me um beijo, um beijo de verdade, na boca!

-Até mais tarde, Silvio! –e foi-se saltitando para a casa ao lado, deixando-me ali na calçada, com um sorriso no rosto e grande expectativa para os estudos da tarde.”

Uma mão quente repousava sobre o ombro do idoso, uma mão conhecida por ele e também muito aguardada. Colocou a mão sobre aquela, demonstrando que sentia a presença do outro.

-O senhor estava cochilando. –disse o filho virando a cadeira de rodas do pai, de frente para ele. –Estava sorrindo bastante, posso saber o motivo?

Pegou a mão do filho e a apertou entre suas, encarando seus olhos azuis, tão iguais aos da mãe.

-Sonhando com o dia que conheci sua mãe. –conseguiu responder em meio as lágrimas que vieram. –Era uma jovem surpreendente.

“E tão parecida com você”. Quis dizer ao encarar o filho desde os cabelos negros, até as mãos longas de artista, porém calejadas pelo trabalho com a ciência. Até na personalidade os dois eram parecidos.

-Tenho certeza que era. –Ademir disse apertando a mão do pai, antes de puxá-lo para um abraço, a fim de confortar o velho pai.

-Só espero que ela tenha me perdoado por ter te tratado mal por tantos anos. –Silvio disse conseguindo conter as lágrimas.

Ademir soltou o abraço, encarou o velho pai e em seguida a borboleta azul, que saíra da moldura da janela e agora estava pousada sobre o braço do velho.

-Tenho certeza que sim. –concluiu o filho, olhando para a borboleta azul, o inseto preferido de sua mãe.

2 comentários:

  1. Ain, assim o core num guenta! :'(
    Que história linda!! Amei demais, simplesmente encantadora.
    Ameeeei demais, demais!!!
    Bjinhossss!!!

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  2. Historia linda, com toda certeza vou acompanhar. Bjs

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