18 de janeiro de 2015

Canto de Sangue by Mary Noleto

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Canto de Sangue






Canto de Sangue

Prólogo

A manchete do jornal parecia gritar pela minha atenção, mesmo que ela estivesse do outro lado da vitrine e do outro lado da rua.
"SEATTLE - SITIADA - MORTES AUMENTAM NOVAMENTE"
Abaixo da manchete uma foto distorcida, como a dela...

- Mia! O que houve? - Perguntei assustada, pressionando o telefone contra a orelha.
- A Lu-Luíza - Ouvi um barulho estranho do outro lado, como se alguém estivesse fungando.
- O que tem ela Mia? - Perguntei tentando manter a calma
- Mo-Morta - Disse entre fungos. Mas era como se eu não ouvisse, eu não conseguia conectar as duas palavras Luíza + Morta. Era igual a algo errado, não podia estar certo.
- Como assim? - Disse mordendo fortemente os lábios, com um gosto ruim na boca.
- Encontraram o corpo dela num beco - Ela continuou - Disseram que não encontraram nada que pudesse incriminar alguém. - Ela fez uma pausa - Mas segue os mesmos indícios do outro corpo.
Por um momento fiquei confusa, que corpo? Então... me toquei que ela falava daquele cara que foi encontrado ontem.
- Acha... que pode ser coincidência? - Perguntei, mesmo que só uma parte de mim estivesse prestando atenção no que Mia falava, a outra parte estava muito ocupada, negando tudo o que ela falava. Como Luíza podia estar morta? Eu falei com ela ontem à noite, minha melhor amiga não podia estar morta, não podia...
- Não, acho que foi a mesma pessoa ou pelo menos da mesma... gangue - ela hesitou na última palavra e então finalmente caiu a ficha, era verdade, por que Mia não brincaria com isso.
Então naquela noite nós choramos juntas, contando e compartilhando histórias da Luíza, rindo e chorando... Até parecer que ela estava ali, do nosso lado.
E no dia seguinte a cidade toda sabia, e foi a vez da Luíza aparecer no jornal, a segunda vítima de um possível Serial Killer.


Fechei os olhos e deixei que uma lágrima escorresse pelo meu rosto. Luíza foi a segunda vítima e agora, dois meses depois, já tinham mais de 42 vítimas.
- ! - Ouvi a voz suave de Mia me chamando, se aproximando.
Enxuguei o rosto rapidamente, bem a tempo de Mia me alcançar.
- Vai para a aula? - Ela perguntou animada
- Para onde mais iria? - Retruquei tentando soar desafiadora
- Sei lá, parecia no mundo da lua, te chamei três vezes sabia? - Perguntou ela enquanto olhava intrigada para mim.
Fiquei alguns minutos em silêncio, mesmo sabendo que ela queria uma resposta, mas eu sabia que não poderia falar a verdade. Ela estava tentando superar, e por mais que não concordasse, se o método dela era fingir que nada nunca aconteceu, eu não podia fazer nada, pelo menos ela não ficava chorando pelos cantos.

******************

Eu batia meus dedos impacientemente na pequena mesa de mármore, enquanto esperava que os ponteiros do relógio se movimentassem mais rapidamente.
Tédio. Essa era a palavra que definia o porquê de minha impaciência. Meu professor dava aula cautelosamente, sua foz grossa fazendo eco por toda a sala vazia. Digamos que a sala não estava completamente vazia, mas em comparação ao que era antes, sim, a sala estava vazia. Desde que Seattle tornou-se uma cidade perigosa, cheia de assassinatos e desaparecimentos, quase todos optaram por fugir daquela cidade infernal que se tornara.
Desde então boa parte dos dias na escola se tornaram monótonos e entediantes para todos. Pelo menos eu tinha Mia, mas nosso grupo antes era enorme, em torno de quase 10 pessoas; Leonardo, Beatriz, Suelen, Larissa, Pedro, Steffany, Luccas, Gabriel,Mia, eu e a Luíza.
Mas desde que a Lu morreu, esses assassinatos só pioraram. Por vezes tinham mais de 5 mortos por dia, todos ficaram assustados e começaram a se mudar arrastados pelos seus pais, para um lugar mais seguro e dos poucos que restavam, eram poucos que vinham para a escola, e foi assim que um por um todos se espalharam. O Leo e a Bia foram para o Texas, longe o bastante para não manter contato, a Suelen e a Larissa foram morar com uns tios até completar o ensino médio. O Pedro, o Luccas e o Gabriel foram estudar juntos fora do país e a Steffany sumiu, ninguém nunca mais ouviu falar dela desde que soubemos que o namorado dela foi encontrado morto. E quando nós demos conta, não tinha mais ninguém, só eu Mia.
Loucas? Não, pelo menos não exatamente. Mia de algum jeito conseguia viver dentro de uma bolha, onde assassinatos ou algo remotamente parecido não aconteciam, onde nossos amigos estavam todos juntos e bem, às vezes me preocupo que ela esteja ficando louca, mas sei que ela está bem lúcida e só está com medo de que se admitir algo daquilo a sua pequena bolha estouraria e ela não aguentaria, desabaria.
Eu por outro lado tenho muita consciência do que acontece e aconteceu. Tento seguir em frente e não pensar muito, porque eu também desabaria, mas eu não esqueço. Não como a Mia pelo menos. Descobri, porém, que ambas, Mia e eu temos uma válvula de escape, a dela sou eu, se agarrar a única coisa que parece não ter mudado, mesmo que na verdade eu tenha. Eu sempre fui muito parecida com a Mia e a Lu, éramos como os raios de sol da escola, como nossos amigos falavam, éramos alegres, otimistas, sonhadoras, encantadoras sem dúvida, bonitas e populares... Mas agora, mesmo que por fora eu continue assim, por dentro eu fico pensando: Para que isso? A Lu não era exatamente assim? E, no entanto, não aconteceu a mesma coisa que com todos os outros?
A minha por outro lado são os livros, acho que é meu jeito de criar minha própria bolha, me enfiar de cara nos livros e descobrir outros mundos, viver outras vidas, e por esses breves momentos esqueço de tudo que acontece, esqueço que minha melhor amiga morreu, esqueço tudo.
Tenho um leve sobressalto quando uma pequena bola de papel aterrissa na minha carteira, mas logo me recomponho para que o professor não note, mesmo que eu ache que ele está tão entretido em se ouvir que não notaria se caísse um avião aqui dentro.
Devagar começo a abrir o papel amassado, tentando não fazer barulho,
enquanto olho para trás, em busca do dono do papel, até parar em um rosto conhecido, sorrindo para mim, Christopher. Sorrio de volta e começo a ler o papel.
Vai fazer alguma coisa hoje??
Pego minha caneta preta e respondo:
Acho que vou na livraria, por que?
E jogo de volta para ele disfarçadamente
Nada não, esquece.
Dou de ombros quando recebo a respostas alguns minutos depois e recomeço a batucar os dedos na carteira.
Ultimamente a maior parte das pessoas de Seattle não saem para mais nada, tirando algumas poucas como nós que vão para o trabalho e a escola. Ou seja, faça qualquer outra coisa que não seja em casa e você estará fadada a ser chamada ou de louca ou de rebelde, e já que pelo menos, uma vez por semana vou escondida dos meus pais a livraria renovar meus livros, fiquei tachada na escola como a rebelde, mas não me importo, apesar de algumas pessoas como Mia e Chris se importarem.
Chris é meu ex-namorado, terminamos há alguns meses atrás quando peguei ele aos beijos com outra garota. Desde então ele tenta me convencer que mudou, mas até agora as tentativas foram em vão. Por outro lado, ele reconquistou minha amizade, o que já é mais do que eu esperava.
- Quero essa tarefa para amanhã - finaliza meu professor finalmente obtendo minha atenção, esperando por mais detalhes, mas ele simplesmente se vira e vai embora me fazendo olhar para os lados me perguntando se era a única que não prestou atenção em nada.

*******************

- A gente se vê amanhã?! - Finaliza Mia incerta no portão de saída da escola
- Claro - Sorrio tentando acalma-la. Fazia um bom tempo que era essa nossa rotina, simplesmente não ter certeza do amanhã.
- Toma cuidado - fala contrariada
- Sempre - Sorrio brincalhona tentando ganhar um sorriso de volta, mas ao contrário do que eu esperava ela fechou ainda mais o rosto franzindo em sinal de confusão enquanto com uma mão ela esfregava levemente o peito, como para se livrar de uma coceira.
- Tudo bem? - perguntei confusa
- Tudo... eu só... estou com uma sensação estranha no peito - Ela disse sem me encarar nos olhos, mas mesmo assim fui capaz de sentir os calafrios descendo pela minha espinha, me arrepiando ao ouvir aquelas palavras.
- Para com isso Mia - Disse completando em pensamento "Sabe que isso me assusta"
Começo a me virar e volto-me para ela de novo e completo. - Não esquece hein? Qualquer coisa eu estou na sua casa - Sorrio e pego as chaves do carro no meu bolso.

Continua...



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